Com o dólar em patamares altos e incertezas sobre a saúde das contas públicas, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá novamente na economia uma de suas principais preocupações. As pressões do mercado financeiro por cortes de gastos, o alto patamar da taxa básica de juros (a Selic está em 12,25%, com alta programada para 14,25% até março) e a perspectiva de aumento da inflação são alguns dos principais desafios que o governo precisará vencer neste ano se quiser cumprir a promessa de fazer de 2025 o “ano da colheita”, como prometido por Lula.
O petista disse no fim do ano passado que as medidas já tomadas em sua administração atual começarão a dar resultados de forma mais impactante. “Lançamos todos os programas que tinham que ser lançados e tenho dito aos meus ministros: nós já plantamos. Agora, 2025 é o ano da colheita. Vamos começar a colher o que plantamos. É um compromisso de honra meu. As coisas vão acontecer nesse país”, declarou em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo.
Até o momento, Lula conquistou avanços importantes em indicadores que afetam diretamente a população — e, consequentemente, sua aprovação. O desemprego atingiu o menor valor da série história no trimestre terminado em novembro, de 6,1%. A projeção do Banco Central (BC) para o crescimento do PIB em 2024 é de 3,5%, e a renda média e a massa salarial apresentam crescimento. Porém, como admitiu o próprio BC, a inflação vai estourar a meta estabelecida de 3%, com tolerância de um ponto percentual e meio para baixo ou para cima. A expectativa é de que a taxa atinja 4,9% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — o máximo permitido pela meta é 4,5%.
O governo enfrentou uma onda de pessimismo nos mercados no segundo semestre. Em parte pela vitória de Donald Trump (Republicanos) nos Estados Unidos, com promessa de adotar políticas mais protecionistas — que, por consequência, podem sair caras ao Brasil — e em parte pela demora na definição, por parte do Executivo, do pacote de corte de gastos, que levou semanas para ser apresentado. No fim, as medidas de ajuste, anunciadas em cadeia de rádio e TV pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foram vistas como fracas por parte dos analistas do mercado.
Outra questão alimentou o pessimismo e a paranoia do mercado: junto com as medidas de cortes, Haddad também anunciou a intenção do governo de cumprir a promessa de campanha de isentar de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês.
Embora o ministro tenha deixado claro no anúncio que essa renúncia de arrecadação seria bancada pela taxação de quem ganha mais, diversos operadores do mercado financeiro reclamaram da falta de explicação sobre como a medida seria financiada. Isso, somado à desidratação do pacote de corte de gastos no Congresso, ajudou a elevar o valor do dólar.
Segundo Davi Lelis, da Valor Investimentos, o anúncio “desceu quadrado” porque o mercado entendeu que o governo estava tentando dourar a pílula dos cortes de gastos anunciando uma medida popular. Com isso, perdeu a chance de se posicionar enfaticamente a favor da responsabilidade fiscal. “Pareceu que o governo estava fazendo palanque quando deveria estar endereçando de maneira mais séria o compromisso com a responsabilidade fiscal. O mercado enxergou isso como falta de compromisso”, pontua. Lelis também diz que taxar quem ganha mais para bancar a isenção pode resultar em saída de capitais do país. Na prática, quem será mais taxado vai preferir levar seus recursos para fora do Brasil, o que pode pressionar ainda mais o dólar.
Essa medida não deverá sair do papel nos primeiros meses do ano, já que o Congresso tem outras prioridades, mas o assunto vai interferir na percepção do mercado das contas públicas, uma vez que o plano do governo é colocar a isenção em prática a partir de 2026. O plano de compensar a renúncia de arrecadação com a taxação de quem ganha mais também causa preocupação no mercado.
“Não seria tão ruim se ele conseguisse compensar essa isenção fiscal com essa taxação dos mais ricos. Mas no mundo a gente já viu o que acontece quando a gente tenta aumentar a taxação dos mais ricos, é muito difícil fazer isso sem ter uma fuga de capitais”, afirma Davi Lelis. Para o especialista, o governo deveria tentar se aproximar dos agentes do mercado financeiro e evitar reverberar o discurso de aliados que acusam os investidores de “especular em cima da população”. “Quando o governo e o mercado andam juntos, a prosperidade se torna coletiva”, afirma.